Eu estava muito resistente em escrever sobre o sentimento que me envolveu durante o processo de divórcio, foram muitos.
Hoje não vou trazer tudo nesta narrativa, pois ainda não me sinto forte e segura para abrir todas as minhas feridas, mas quero apresentar para vocês como está sendo a minha desconstrução do conceito que todos somos iguais e que não precisamos de homem nenhum para sinalizar e comunicar para a sociedade que não somos Triste, Louca ou Má – como a música
No auge dos meus 40 anos, no meio do caos do divórcio o céu me presenteou com a separação.
Estranho não é?! Talvez no final vocês consigam compreender o que eu estou tentando comunicar e possam contribuir também com as suas opiniões, pois aqui é somente um olhar de um determinado lugar.
Eu sempre acreditei e fui orientada pelo meu pai, que quanto mulher deveria estudar para não depender de homem nenhum. Ele contava que antigamente a mulher precisava de autorização para casar, viajar, estudar e entre outras situações do seu pai ou do seu esposo. Bom, acho que antes as regras eram postas e hoje elas são subjetivas, aparecem na sutileza das atitudes machistas.
Como estamos no século XXI isso não deveria ser mais necessário? Certo? Errado. Sabe como eu desconstruí esta afirmação dentro de mim?
Com o divórcio, isso mesmo. No auge dos meus 40 anos, no meio do caos do divórcio o céu me presenteou com a separação. No meio da confusão eu não achava isso, mas hoje entendo melhor o que este número 40 fez comigo.
Por alguns instantes achei que estava no século XVIII ou até antes, me sentia uma mulher leprosa perto das outras. Fui acolhida por muitas mulheres fortes, muitas divorciadas uma ou até duas vezes, algumas casadas, mas todas bem resolvidas com a importância do seu papel de acolher as dores das outras mulheres.
Uma mulher desquitada é vista como uma mulher para o sexo. Então se um dia você se separar, cuidado com as intenções de alguns homens que vão querer te usar, inclusive os casados.
Mas o meu desmonte foi quando parei e me perguntei : “Senhor, será que já fiz isto com outra mulher e não percebi?” Aí assumi, talvez sim, tenha feito. Pois somos criadas em uma sociedade machista, racista e reproduzimos sem pensar, ou até pensamos, mas não refletirmos de como marcamos as pessoas.
A primeira situação que eu apresentei perigo foi no espaço religioso, como eu não tinha o papel assinado, eu era casada e perigosa. Desta forma, quando eu ainda tentava ir na igreja para confortar as minhas dores não era acolhida por nenhuma mulher, algumas comentavam quando eu passava que eu era um prato de lentilha, outras e outros que eu estava possuída pela pomba-gira e outras que eu não era uma mulher de fé, pois me faltava jejum e oração para restaurar o meu casamento. E olha que eu comecei a acreditar nisso, que a errada era eu.
Fora do espaço religioso, escutei de algumas mulheres casadas que estava louca, que não tinha certeza do que falava e fazia; que eu estava abrindo mão de uma casa boa, uma situação boa e iria viver de qualquer jeito. Comecei a sentir uma vergonha enorme que chamei de vergonha social.
Eram tantas situações que até na rua eu era apontada por outras mulheres como a mulher largada. Vejam só, atitudes que não condizem com a modernidade né? Mudei de bairro, atravessei a cidade e fui buscar a minha essência com a ajuda de outra mulher que tinha passado por uma experiência parecida e me ajudou muito a me reconectar comigo.
Foi na retomada que lembrei de outro ensinamento do meu pai:
Uma mulher desquitada é vista como uma mulher para o sexo. Então se um dia você se separar, cuidado com as intenções de alguns homens que vão querer te usar, inclusive os casados.
Quando ouvi, achei um absurdo, mas não é que faz sentido? Além das reações machistas das mulheres, também vivi situações que precisei deixar bem nítido que não estava disponível para o sexo e que não estava largada, mas uma mulher coerente e que sabe o que quer.
E neste processo de desconstrução e reconstrução, resolvi assumir a minha nova fase dos 40 e me permitir ir a uma festa, depois de quase dois anos em terapias, choros, alergias, perdas, ganhos, resgate da minha ancestralidade e da minha essência, lá fui eu. Apesar do ambiente familiar, percebi alguns olhares de julgamento, mas o mais tenso foi perceber que enquanto conversava com um parente sobre a nossa situação política, percebi um raio vindo do outro lado do salão.
Então sabe aquele imaginário brasileiro que a mulher negra é pra “fuder” (desculpe o termo) e a mulher divorciada é um perigo e pode roubar o seu marido? Então, todos estes rótulos estavam em mim naquele momento e naquela noite.
Nestes dois anos, que deixei de ser uma mulher casada e consecutivamente contida e pacificada; para uma mulher divorciada, preta e perigosa. Estou aprendendo a lidar com tudo isso ainda, mas espero que a minha experiência possa contribuir com outras mulheres.
Mulheres que estão no divórcio, para aquelas que estão firmes no casamento, para aquelas que estão felizes por não terem optado por nada ainda e também para aquelas que já sabem bem o que querem e não querem.
Fácil não é. Rápido também não é. Tudo é um processo de construção e desconstrução, precisamos nos permitir sentir as dores para prosseguir.
O que partilho com vocês são os meus sentimentos e impressões, espero que vocês também se sintam livres para contribuírem com as suas experiências, espero que também os homens leiam e percebam quanto o machismo é sutil e cruel com as mulheres e se forem divorciadas tudo fica pior.
Patricia Pio
Pedagoga com Habilitação em Gestão Escolar, Especialização em Gestão de Políticas Públicas, Inclusão e Diversidade Social, Mestranda em Educação – Formação de Professores pela UFSCAR-Sorocaba;
Tania
3 anos atrásSensaciona, está sua visão da desconstrução de uma vez casada,,para sempre casada,e não importa o quanto infeliz!!!!De verdade basta,precisamos saber o quanto a sociedade tenta nos colocar num lugar de, não posso, não consigo.
LUCIA DE MATOS
3 anos atrásSer uma mulher nessa sociedade machista que vivemos é observar o poder que ainda, em pleno século 21, os homens têm em todas as esferas sociais. Nos últimos anos, houve uma ebulição feminista que nos fez acreditar que tudo iria mudar, então veio a pandemia para deixar claro que o machismo enclausurado em suas casas com suas famílias mata, agride, se aproveita, abusa e reina todo poderoso. Haja vista o aumento de feminicídio em época de pandemia. Entretanto, penso que é um processo que se esfriou um pouco pela clausura por outro lado se tornou assunto constante entre homens, mulheres, nos colegiados políticos de esquerda, nas bases religiosas de matriz africana, nas igrejas, nos lares.
Desde criança as meninas são alimentadas com a ideia da possibilidade de vida ideal, perfeita e feliz que é ser: casada, mãe, dona de casa, cuidadora de seu homem, da sua prole e de seu lar. Parece que é um planejamento ideal de vida para mulher da idade média, mas não é, ela é bem atual, ainda a maior felicidade de uma menina é se vestir de princesa no aniversário e se transformar em rainha no dia do seu casamento com as vestimentas bem peculiares para esses momentos que são simbolismos de escravidão e servilismo feminino alimentados pelas instituições como igreja, família e escola. Depois de realizar todos esse ritual sonhado por familiares e amigos uma mulher decide se separar. Um divórcio parece brincadeira de mal gosto por parte da mulher. Ela foi preparada para o casamento, para a maternidade, mas não para a cisão dessa situação. Seria de se admirar que a sociedade a recebesse divorciada, sem um par, de braços abertos. Isso tudo precisa mudar. As crianças precisam ser educadas para serem profissionais, cidadãs colaboradoras de uma coletividade com isonomia nos direitos e deveres de homens e mulheres. Enquanto isso não acontecer mulher divorciada será sinônimo de presa fácil, de fracassada, incompetente. A raiz do problema é mais profunda. Quando a sociedade for educada para uma vida igualitária as respostas para essas questões serão mais fáceis… Patrícia, desculpe-me, me empolguei…rs..
Isidia
3 anos atrásPatrícia Pio, parabéns pelo artigo, infelizmente para alguns, a mulher quando toma uma decisão e decide ficar sozinha é discriminada, talvez por ela não ter tido coragem de suportar situação de humilhação ao lado de uma pessoa. Ser conservadora? Pra que? Por que? Mulher não tem que ficar do lado de ninguém sem ela querer e se ficar é porque tem controle da situação e não é se conformar e sim saber lidar com qualquer situação, ser inteligente ao lado de pessoas que se acham espertos.
Mônica Gonçalves
3 anos atrásÉ mesmo difícil a situação de estar solteira, depois de um relacionamento. Aprendi a me conhecer melhor depois que estou sozinha, fazem 12 anos que vivo a me conhecer, aprendendo a me descobrir, e me sinto bem assim. Ainda hoje apontam pra mim, como a musica que voce citou! Li muuuuuitoooo… pra manter o equilibrio e seguir em frente. Carl Jung foi importante, “o julgamento sobre o outro mostra o julgador”… a sociedade está se transformando… o julgamento que fazemos mostra pra nós mesmas onde podemos melhorar. E o julgamento dos outros sobre nós,
não nos diz respeito, penso assim. Tenho 44 anos e me sinto aprendiz na vida, é bom saber que outras mulheres também passam por situações parecidas com as que vivo. Não é facil aprender a solitude, mas não é dificil também. A gente não precisa de alguém pra ser feliz, a gente precisa s er feliz pra fazer outra pessoa feliz, né? Abraços e tudo de bom
Luciana
3 anos atrásParece coisa de novela né?! Nem da para acreditar que junto com internet 5G ainda tem gente que age assim! Entendo que o sentimento se fracasso ao terminar um relacionamento é muito grande. Mas nós mulheres precisamos sempre apoiar umas as outras
Priscila Marcolino
3 anos atrásEstou divorciada há quase um ano, vivi um relacionamento abusivo. Desde menina sonhava em casar, ter filhos e constituir uma família. Demorei para sair de ciclo vicioso que é um relacionamento abusivo, aceitando as desculpas e acreditando que ia mudar. Sofri por tempos calada. Como citou, no espaço religioso, ouvi coisas que fizeram postergar a separação para manter a família, pensando nos filhos, mas estava infeliz, não suportava mais. Até que um dia tive coragem, deixei a vergonha de lado, Sei que sou criticada, tive receio do julgamento da sociedade por ser divorciada. Estou no processo de desconstrução e construção, de me conhecer e ser feliz.